Com o fim do Rock in Rio deste ano, fiz uma reflexão mais
profunda e devo confessar que mudei algumas das minhas opiniões sobre o
festival. Nas edições passadas, fui um crítico severo das escalações, até mesmo
na grade de bandas de Metal, estilo que mais gosto. Entretanto, cheguei a uma
conclusão central, e que embasa todo este meu texto: o Rock in Rio é um
festival de música, no seu conceito mais amplo, quase que livre de estilos (eu
disse quase, pois algumas aberrações como funk, pagode e sertanejo ainda estão
de fora, pelo meno por enquanto) e não um festival de Rock ou de Metal
exclusivamente.
Todos esses anos de reclamação e autotortura por ver atrações
mega/super/ultra pop foram desnecessários, pois basta enxergar que o Festival
tem de agradar diversas tribos, tem de ter apelo comercial e tem de dar lucro
(sim, lucro!). Na minha opinião, ficamos presos ao estigma da edição de 1985
onde, num momento em que éramos pobres de artistas estrangeiros, pudemos ver
bandas que estavam no auge e que, em outra situação, nem tão cedo poriam o pé
no Brasil. Ver AC/DC, Iron Maiden, Ozzy Osbourne, Whitesnake, Queen, Scorpions
e Yes foi algo tão fantástico que ofuscou as escalações deveras deslocadas de
Ney Matogrosso, Elba Ramalho, Ivan Lins,
Moraes Moreira, Erasmo Carlos e outros. Não que fossem artistas ruins – pelo
contrário, todos com seu valor dentro da MPB – mas destoavam muito do cast
headliner do festival. De ruim, ruim mesmo, só Nina Hagen, que ninguém conhecia
antes e todo mundo se esqueceu logo depois. Acho que, involuntariamente, ao
conseguir um cast internacional tão maravilhoso logo na primeira edição, deixou
o Rock in Rio com a marca de festival de Rock/Metal, o que ele não é.
Voltando a edição desse ano, gostaria de falar primeiro do
público brasileiro, que é bastante peculiar. Ficou totalmente evidente que se
tem uma coisa que o Brasileiro gosta no Rock in Rio, não é de música em
primeiro lugar, mas sim de reclamar. Além das óbvias reclamações do cast do
festival, era facílimo encontrar na internet reclamações sobre a transmissão do
festival feita pelo canal de TV fechada Multishow, onde, entre várias coisas, o
principal era a qualidade do som. Baixo, alto, sem grave, com grave, muito
agudo, a voz baixa, má equalização eram alguns dos motivos que os experts em sonorização
encontravam para criticar a transmissão feita. Agora paremos para pensar: 1)
Era possível assistir quase todo o festival sentado no sofá de casa, pois a
transmissão foi na íntegra, perdendo apenas no momento de shows em paralelo no
palco Sunset e no palco Mundo, onde o segundo sempre tinha preferência. 2) Se a
pessoa não foi, apenas duas razões: ou não quis, ou estava sem dinheiro. Para
ambas, a transmissão era a chance de ver (quase) tudo, “teoricamente” de graça.
Se a transmissão fosse em mono, com a tela em preto e branco, já valeria a
pena, pois só assim veria tudo ao vivo. Mas a transmissão foi excelente, com o
melhor áudio que vi até me todas as transmissões de RIR já feitas pelo canal.
Agora, se a voz Axl Rose sumia, tenha certeza que a culpa não era da
transmissão... mas falo disso mais a frente.
Outro detalhe foi a escalação do palco Sunset deste ano, que
foi simplesmente uma das piores que já vi. As combinações efetuadas entre
artistas diferentes, característica central deste palco, foram as mais
esquisitas de todas as edições. Tudo bem que nomes novos se misturaram a
antigos, mas é notória a falta de bons nomes para este conceito de mistura de
estilos. E uma triste realidade se confirma: o cenário nacional está muito, mas
muito pobre musicalmente... E isto não é fruto de uma mente nostálgica que só
pensa no Rock Nacional dos anos 80, mas de uma constatação que se mostra real e
concreta. Os últimos grandes nomes que se seguiram a Legião Urbana, Ultraje a
Rigor, Barão Vermelho e muitos outros mais, surgiram na década de 90 e já não
têm a mesma relevância de antes. O Skank é um exemplo disso: tocou no placo
mundo, fez um desfile de hits, mas encontra-se sumido em meio a essa cena pobre
de Anitas da vida. O mesmo se aplica ao Jota Quest que apesar de toda a bagagem
e carisma, não consegue mais um lugar ao Sol.
Outro detalhe curioso, mas que não é novidade nenhuma,
também afligiu esta edição: o famigerado jabá. Para quem eventualmente não
saiba, jabá é o resultado da ação “conhecer alguém que pode te ajudar”. Com
isso, artistas de merecimento duvidoso se apresentaram no festival. No passado, temos dois
exemplos, que foram o Glória e o Kiara Rocks (edições de 2011 e 2013,
respectivamente), ambos verdadeiras bombas que tocaram graças ao
empresariamento (Monica Cavarela), que tendo conceito junto aos Medina,
conseguiu encaixa-los. Neste ano, tivemos o Dr. Pheabs, ruim até a alma, cujo
vocalista também estraga outra banda, o Armored Dawn. Como eles entraram?
Alguns integrantes são médicos e formam uma cooperativa que é uma das
patrocinadoras do festival... Mas recomendo tentar assim mesmo ver ao show, pois rende boas gargalhadas. Destaque para o inglês
“macarrônico” do vocalista Eduardo Parras.
O público novamente se faz presente no seguinte ponto: qual
o limite para se aguentar repetições neste festival, mais especificamente o
Guns n Roses, e mais ainda sendo trolado a cada apresentação? Se apresentando
pela 3ª vez no RIR, o Guns – mais especificamente Sr. AXl Rose – fez a todos
esperaram sua boa vontade em entrar no palco depois de atrasos monumentais nas
duas primeiras vezes. Agora, a trolagem foi outra: apresentou um mega show com
quase 4 horas de duração e... sem voz! Os anos se passaram, a idade aumenta, os
kilos extras aparecem e a voz sofre com isso, mas o que foi apresentado foi
simplesmente beirou o absurdo. O cara dava dez passos e já ficava ofegante, e
isso transformou as musicas num tremendo martírio. Não vou nem mencionar os
clássicos, que foram totalmente destruídos (“You Could Be Mine” ficou hilária), mas até mesmos as músicas novas sofreram na sua interpretação, como por exemplo,
“Better” (do álbum “Chinese Democracy”). E o público tomou, goela abaixo, de
uma só vez, repetição e engodo.
Outra questão sensacional de se comentar, é o fato de que
determinado artistas têm carreiras brilhantes, mas padecem do mal que é o karma
de qualquer artista: o palco. Combinar a reprodução das músicas dos álbuns com um
atrativo visual é tarefa difícil, e é aí que o bicho pega. O Pet Shop Boys (que
eu adoro) apresentou um show esquisito, cuja sensação era quase que a mesma de
ouvir o disco olhando para o encarte, ou seja, tudo muito parado. Sendo uma
dupla eletro-sint-pop (hein?) preencher o palco mundo do Rock in Rio foi para
eles uma tarefa ingrata. Curiosamente, o que faltou aos PSB, sobrou para
Fergie, com um palco visualmente bem utilizado com dançarinos, fumaça, telões e
etc. E vice versa, pois aos PSB sobrou música (apesar de um playback aqui e
acolá), enquanto Fergie sofreu com um som magrinho, bem longe do groove tanto
de suas músicas próprias, quanto das canções de sua ex-banda, o Black Eyed
Peas.
Mas houve boas surpresas, embora algumas nem fossem tão
surpresas assim, pois se tratavam de repetecos: Alicia Keys e Justin Tiberlake
foram perfeitos, com shows que deram gosto de ser ver e ouvir. Bon Jovi também
fez um bom show, apesar de quase estar dando o braço a Axl Rose no quesito
“minha voz já não é mais a mesma”. Salvou-se pelos backings vocals da banda,
que encobriam a sua voz magrinha nos refrões mais explosivos. Destaque mesmo
foi o Alter Bridge, que simplesmente destruiu o palco mundo com uma
apresentação que eu, de início, não dei muito valor. Bastaram as primeira notas
de “Come to Life” para a banda mostrar que não estava ali para brincadeiras. O
vocalista e guitarrista Miles Kennedy provou para todos, com seu vozeirão, que
não era a transmissão do muito show que estava com problemas. Perfeito, nota
dez.
Estruturalmente, o evento esse ano teve a maior área até
então, e teve muita opção para quem estava lá, além da música. Entretanto,
horas na fila para andar num brinquedo, comida caríssima e banheiros em petição
de miséria (relatos de amigos que estiveram lá) mostraram que ainda não conseguimos atingir uma estrutura ideal para
eventos deste porte. Do lado de fora, taxistas “assaltando” as pessoas, onde só
pegavam corridas longas e deixavam a pé quem queria ir para o entorno do
festival (depois reclamam do Uber, e este foi previamente proibido pela
Prefeitura), Metrô e BRT´s lotados, ou seja, Brasil. Nos resta esperar pela
edição de 2019, isso se o Rio de Janeiro ainda estiver de pé até lá...
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