Música Para Quem Precisa
Sendo muito
honesto, não consigo entender o comportamento do público brasileiro com relação
à música, em especial a brasileira. O brasileiro em si não é um ávido consumidor
deste tipo de arte, mesmo sendo um povo com uma musicalidade variada e muito
rica culturalmente. Este fraco envolvimento é muito diferente dos americanos,
por exemplo, que sempre tiveram um mercado forte, com números de vendas
significativamente maiores que os nossos. Se por lá os estouros de vendas são
comuns – mesmo com a retração do mercado na década passada com a chegada do MP3
e da pirataria – por aqui as coisas sempre foram muito pontuais, com um ou
outro artista chegando à celebrada casa do milhão de cópias vendidas. Independentemente
dos cenários econômicos diferentes, com influência direta nos valores de discos
e shows, o brasileiro tem apego a diversão gerada pela música, mas não pela
cultura em si que ela proporciona.
Entretanto, não
posso deixar de mencionar a questão financeira que, ainda não seja o único
fator, tem peso importante nesse cenário. Não é difícil descobrir o quanto a
cultura no Brasil ainda é cara e não definitivamente chega a todos. Cinemas,
teatros, shows, livros e etc. são inacessíveis às massas por conta dos altos
preços (ainda mais depois da chegada da equivocada meia entrada para os eventos,
que elevou ainda mais os encargos de produtores e tornou tudo ainda mais
inviável). Com isso, grande parte da população não dispõe de renda suficiente
que cubra o aceso a qualquer modalidade cultural que seja. Por outro lado, o
brasileiro não tem hábitos culturais embutidos em sua formação, e daí fica mais
difícil sentir falta daquilo que nunca ou quase nuca se faz, correto?
Voltando à
música em si, usarei dois exemplos que são expoentes da moda, com seus sucessos
repetidos à exaustão nas mídias: Naldo e Anitta. Apesar das músicas pobres e
culturalmente nulas, proporcionam a diversão citada no primeiro parágrafo. São
os famosos artistas “nada”, ou seja: vieram do nada e daqui há pouco ao nada
voltarão, pois o brasileiro é assim, desapegado. E quando digo isso, quero
dizer que o público não sente falta do artista, pois ele simplesmente vai
passar de uma moda para outra, sem nenhum trauma nessa transição. O curioso é o
acontece no período intermediário entre a ascensão e a queda: exposição total,
músicas repetidas incessantemente, valorização de shows e aparições, num
processo cuja duração pode variara entre o breve e o prolongado, mas que
definitivamente é finito. O detalhe é que, mais cedo ou mais tarde, o público
se cansa e logo se vira de novo para o que está surgindo de novo. Nesse meio
tempo, vale ressaltar que o brasileiro não se incomoda em apelar para a
pirataria, com produtos de menor custo e qualidade, cujos fins dão a ele o
mesmo prazer do produto oficial: apreciar, mesmo que superficialmente, obra do
artista. Outro ponto que justifica a opção do brasileiro pelo “piratão”, fora
os altos preços dos produtos oficiais, é o fato que ele quer apenas o sucesso
ou os sucessos do momento. Se o artista lançou um disco e 2 ou 3 músicas
estouraram, o público compra o disco por causa delas, sem se interessar pelo
que haja a mais no CD ou DVD. Aí entra o fator cultural, pois ele não se
aprofunda no trabalho como um todo, ele quer é diversão, e os 3 sucessos isolados
vão proporcionar isso.
Naldo e
Anitta ainda ficarão aí por um bom tempo, até que o consumo exagerado chegue ao
limite, sugando, em pouco tempo, toda a novidade deles e deixando apenas os
restos de algo que já saturou e não serve mais. Em outras palavras: o público não
vai dar sustentabilidade e continuidade ao trabalho deles, mantendo-os no topo.
Vão cair no esquecimento e outra moda tomará o lugar. Não sei dizer exatamente
se os artistas têm noção desse prazo de validade ou se têm expectativa de terem
carreiras duradouras. Entretanto, é certo que nenhum deles tem um planejamento
de Marketing que evite a superexposição e o consequente cansaço do público,
pelo contrário: se aproveitam ao máximo para se ganhar o máximo de dinheiro
possível. Se existe a oportunidade de se fazer 4, 5 shows em uma única noite
(como isso é possível?) eles vão com tudo. Já vi estes artistas dando entrevistas
contando que dormem, em média, de 4 horas por noite devido as agendas lotadas.
Ainda na
questão dos shows, os artistas não tem o conceito de turnês propriamente ditos.
Ele contempla o músico na estrada divulgando seu trabalho com um show específico
por um determinado período de tempo – ou seja, tudo de acordo com um
planejamento e foco. Claro que estamos falando de investimento, mas que gera um
espetáculo completo e retorno ao próprio artista, pois o público se vê
beneficiado com algo que valeu o preço do ingresso. Isso não ocorre no esquema
“x” shows por noite, onde ele simplesmente sai de um palco (sem nenhum aparato)
numa boate e vai para outro lugar logo em seguida, com o que deveria ser um
show, transformado numa aparição relâmpago. Isso sem mencionar que quem o
assiste por último nesta jornada pega um artista cansado que, com certeza, não
tem mais como dar tudo de si.
Um exemplo
mais válido ainda para o que mencionei sobre efemeridade do sucesso, foi a onda
de grupos de pagode que varreu o Brasil (principalmente Rio e São Paulo) na
década de 90 e que foi um verdadeiro inferno para quem não apreciava o estilo.
Chegava a ser impressionante a quantidade de grupos surgidos naquela época,
onde alguns realmente ganharam muito, mas muito dinheiro. Olhando o mercado
hoje, alguns guerreiros daquela época ainda tentam resistir (Raça Negra
continua na ativa, o Molejo ensaiou um retorno, os irmãos Vavá e Márcio iam fazer
o mesmo com o Karametade e por aí vai) e mesmo com público cativo para este
estilo, o cenário não é mais o mesmo. A verdade é que aquele enxame de grupos
que inundavam as lojas com discos e mais discos de pagode, simplesmente
desapareceu, de uma hora para outra. É claro que não foi exatamente assim, mas
a onda simplesmente não foi duradoura e a fonte secou. E aí vem a questão:
alguém lembra deles? Ou melhor, alguém sente falta? Garanto a você que eu não.
Só de
curiosidade, tentei me lembrar ao máximo das febres que já passamos no nosso
mercado musical: do you remember?
RPM, É o
Tchan, Terra Samba, Viny, Mauricio Manieri, Pepê e Neném, Rouge e muito mais...
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