quinta-feira, 12 de março de 2020

A Informação Plena


De antemão sinalizo que este texto não julga erros e acertos, mas analisa o aspecto macro que envolve como a informação nasce e chega a cada um de nós; mostra a dimensão e alcance de fatos, dependendo do tipo de abordagem na sua coleta e divulgação. Em suma, que os impactos midiáticos hoje são maiores, mais amplos e mais importantes que no passado.

O recente episódio ocorrido com a reportagem do Fantástico, que colocou a Rede Globo e o renomado Dr. Dráuzio Varela no meio do olho de um furacão, serve para demonstrar o poder da informação – ou da ausência dela, dependendo da perspectiva utilizada – nos dias atuais. Deixando de lado a polarização que tomou conta do país nos últimos anos e que gerou visões dúbias do caso (uns aplaudiram o ocorrido e nenhum problema viram, outros perceberam má fé e manipulação emocional na matéria mediante omissão de fatos), gostaria de ressaltar aqui como a informação tem sido tratada nos dias atuais, seja por quem a gera, seja por quem a consome.

Alguns bons anos atrás, antes do advento da Internet, a mídia impressa tinha uma força que as gerações mais novas sequer imaginam. Jornais e revistas, principalmente, eram a base de informação para quem queria estar em sintonia com o que acontecia no Brasil e no mundo. Deixarei os livros de lado nestas considerações, uma vez que gostaria de focar na informação do dia a dia, exatamente o tema abordado no início deste texto. Voltando ao passado, lembro de quando comprar jornal ou revistas periódicas era algo corriqueiro para se informar, complementado pelo conteúdo jornalístico da TV. A TV, aliás, fazia o papel da Internet no passado, uma vez que conseguia atualizar a informação impressa com mais rapidez. A notícia estampada no Jornal pela manhã ao abrir das bancas era devidamente atualizada pelos tele jornais, ao passo que os impressos só o fariam no dia seguinte.


A chegada da Internet, num primeiro momento – leia-se anos 90/início anos 2000 – complicou a vida dos impressos e também da TV. Sites e portais passaram a atualizar as informações com mais velocidade, mas ainda com a geração de informações na mão dos meios de comunicação oficiais, o que garantia sua fidelidade aos fatos e confiabilidade na informação. O tempo foi passando e aí a telefonia celular começou a complicar ainda mais a situação, pois o adventos dos Smartphones levou a Internet aos meios móveis, tornando o seu consumo ainda mais imediato. Naturalmente foi se criando uma estrutura para atender a este novo leitor que buscava a informação atualizada em qualquer local, dentro ou fora de casa. Ainda nesta evolução, vieram as redes sociais, que além de multiplicarem a disseminação de notícias em tempo real, ou seja, praticamente na hora em que estas ocorriam. Entretanto, as redes sociais deram origem a um fenômeno que, para alguns, foi um efeito colateral: as pessoas passaram a gerar conteúdo e, de maneira informal e nem sempre exata, passaram a competir com os meios de informação oficiais. A partir daí a Internet, que já havia representado a bancarrota da mídia impressa (o papel e seus custos de produção não se mostraram páreos para os pixeis das telas que mudam a cada segundo com um click) agora também representava a concorrência na geração de conteúdo informativo.

Neste ponto podemos voltar ao problema do caso do Fantástico, pois ele resume toda a realidade dos dias de hoje no que tange a informação, seus requisitos e os meios geradores.

Em primeiro lugar, o objetivo da matéria era retratar o descaso e abandono da sociedade e familiares sobre transexuais condenados e presos pela Justiça. O “x” da questão foi a omissão de uma informação crucial, básica até, para que o conteúdo da matéria e seu teor emocional atingisse o público telespectador. Se a informação básica fosse falada, todo o sentido da matéria se perderia. Daí temos a primeira conclusão: o poder dos meios de comunicação ainda é muito grande e relevante. Sua capacidade de manipulação ou indução, benéfica ou não, ainda é muito eficaz e este caso ilustra muito bem isso. Não que isso seja uma novidade, mas hoje temos novos personagens e elementos envolvidos, como citei anteriormente.

E isto nos leva ao segundo ponto: a credibilidade dos meios de comunicação é questionada enormemente, coisa que não acontecia no passado. No caso da reportagem em questão, as informações complementares (e omitidas) foram investigadas, confirmadas e ao serem divulgadas, retiraram todo o teor emocional e de empatia conseguido, gerando revolta e perda de credibilidade dos envolvidos. Afinal, ficou a dúvida: houve ou não má fé? Independentemente da verdade, a responsabilidade dos meios de comunicação aumentou ainda mais, uma vez que a Internet aumentou o acesso e pesquisas sobre (quase) qualquer assunto. Ser tendencioso ou tentar induzir as pessoas a uma linha de pensamento é muito mais difícil, embora não impossível. A prova disso é que muitos acreditaram e se convenceram apenas sobre o que ouviram, sem questionar. Mesmo depois de exposta a verdade, muitos mantiveram suas opiniões, mas muitos outros não. Embora sejamos bombardeados a todo momento por milhares de informações, o pensamento e arbítrio ainda são livres: o resultado deste processamento depende de cada um.

Por fim, não podemos de mencionar, em meio a esse enorme volume de informações, aquelas que são falsas: as famosas “Fake News”. Mais geradores de conteúdo significa mais quantidade, mas não qualidade. Com isso, os meios oficiais têm aumentadas em muito sua responsabilidade, pois eles (teoricamente) são a garantia de confiabilidade e verdade. Quando matérias como a Dr. Dráuzio acontecem e são destrinchadas e massacradas pela opinião pública, um dano muito sério ocorre, que é a perda de credibilidade. Outro agravante nessa linha é que hoje as pessoas conseguem informações sobre determinados eventos que os meios não querem ou não podem mostrar. Um exemplo clássico e bem comum são crimes ou acidentes com vítimas, fatais ou não, que ganham as redes sociais – whatsapp principalmente – com detalhes de mídia (fotos, vídeos e aúdios) que acabam não sendo divulgados nos meios convencionais. Além disso, essa enorme fonte de detalhes acaba revelando distorções e incongruências dos jornais, o que acarreta a já citada perda de credibilidade.

Esse problema tem dois lados, e ambos precisam ser trabalhados: os geradores de mídia, oficiais ou não, precisam ter a ciência da importância que a informação correta, completa e confiável é a única passível de publicação. E o público consumidor ciência de não devem acreditar piamente em tudo que lêem ou vêem: conhecer fontes confiáveis ou saber onde checar algo duvidoso é imprescindível para, como no caso do Fantástico, não terminar com cara de bobo. Ou não.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

Assistindo a Tecnologia Passar



Pode parecer tolice comentar isso hoje em dia, mas é impressionante o avanço da tecnologia e as mudanças derivadas dela que impactam continuamente em nossas vidas. A geração atual já nasce dentro desse ambiente, devidamente acostumada com um ritmo de evolução ligeiro, sem a mínima noção de que há 30/35 anos atrás as coisas eram muito diferentes. Hoje em dia, mal dá tempo de se acostumar com alguma coisa: logo algo mais avançado surge e te deixa com a impressão que o espaço de tempo entre a novidade e o obsoleto é cada vez menor. Toco nesse assunto pelo simples fato de que, ao assistir um filme neste fim de semana, me veio à tona uma série de memórias do passado e de como as coisas eram muito diferentes. Não me refiro à tecnologia empregada em Hollywood atualmente - isso é notório - me refiro à forma e consequente facilidade de assistir a qualquer coisa hoje passível de ser projetada em uma tela. O que me levou a pensar foi tão somente o fato de que estava assistindo o filme na sala de casa, já tarde da noite. A certa altura, o cansaço bateu, mas a vontade de ver o filme ainda persistia. O que fiz? Desliguei a televisão e terminei de assisti-lo no quarto, no conforto da minha cama, pelo celular. Simples e corriqueiro, não? Caso tivesse ido dormir, o teria feito qualquer outra hora, quando fosse mais conveniente ou desse vontade. Mas no passado não muito distante, não era assim que a coisa funcionava.

Quem já caminha hoje pela casa do 45/50 anos, sabe do que estou falando. O “multi plataforma” de hoje era restrito à trinca Cinema x Locadora x TV Aberta, cada um com suas particularidades e restrições, onde era inimaginável o “On Demand”, onde você assiste o que desejar, onde, como e quando quiser.

A principal, ou melhor dizendo, única “plataforma” (para usar o dialeto de hoje) para se assistir filmes recém lançados eram as salas de cinema. Com isso, vários fatores deveriam ser considerados:

1) Não existia essa coisa de “lançamento mundial simultâneo”. Você tinha de esperar o filme chegar aqui. Traduzindo, estamos falando de semanas ou meses, em alguns casos;

2) Se o filme era badalado, você podia ter a certeza de milhares de pessoas iriam querer vê-lo também. O que isso significava? Filas quilométricas – e cansei de ficar nelas – o que representava algumas horinhas entre você sair de casa e efetivamente conseguir sentar na sala do cinema para ver o tão aguardado filme;

3) Até a popularização dos shoppings centers se tornar efetiva, os cinemas eram de rua. Não era raro você encarar as filas descritas acima tomando um “solzinho”;

4) Salas de cinema top eram “Dolby Stereo”, ou seja: de especial, apenas o som. As telas eram padronizadas e não havia essa variedade de recursos como Imax, 3D, 4DX, Macro XD ou XD;

Passada a exibição nos cinemas, era hora de esperar a chagada do filme nas locadoras, o que representava uma nova etapa de esforço e dedicação, bem diferente dos cliques que damos hoje para assistir qualquer coisa. Para quem não viveu essa época de ouro, locadoras de vídeo representaram um segmento de negócio que foi imenso, mas que está extinto nos dias de hoje. Eram estabelecimentos comerciais inicialmente voltados para a locação de fitas VHS (?) mediante a popularização dos aparelhos de vídeo cassete (??). Posteriormente, com o advento do DVD, atingiram seu ápice no mercado. As locadoras eram alvo da etapa seguinte de filmes e musicais, de um modo geral, após a efêmera temporada nos cinemas. Em alguns casos, determinados lançamentos já eram produzidos e voltados exclusivamente ao mercado doméstico (os “Home Videos”), sem passarem pelos cinemas.

Meses se passavam até que os filmes atingissem as locadoras. Chega a ser curioso quando vemos hoje um filme que acabou de estrear nos cinemas já contar com data de chegada nas mídias físicas (DVD´s e Blu-Rays), nas plataformas digitais e também nas TV´s por assinatura (isso sem mencionar a pirataria via Internet, que hoje em dia garante arquivos com qualidade em alta definição de som e imagem com o filme ainda em exibição). Mas voltando ao passado, depois da chegada no mercado doméstico, era hora da locadora: você tinha de ir lá (isso mesmo, você precisava sair de casa!) para escolher algo para assistir. Você saía de casa com este objetivo de ver algo específico, mas o primeiro entrave surgia, uma vez que havia chance do filme que você ambicionava ver não estar lá, pois já estava alugado. Com isso, começava a árdua busca por uma opção, uma vez que monitorar quando a fita fosse devolvida era outro desafio. Para quem não tem a menor idéia sobre o que estou falando em termos de procura de filmes neste ambiente rudimentar, faço um comparativo: dependendo do tamanho da locadora e guardadas as devidas proporções, era como se o cardápio da Netflix, hoje digital e acessível a um toque, virasse algo físico e palpável, com você olhando capinha por capinha de fita ou DVD.... Numa tentativa de resolver isso, as locadoras recorriam ao expediente de ter uma dezena de cópias dos lançamentos mais quentes afim de atender a demanda. O problema era o pós novidade, onde cópias e mais cópias ficavam nas prateleiras sem a saída de outrora. Além disso, havia pacotes dos mais diversos (“x lançamentos leva x catálogos de brinde”) visando atrair a clientela. Mas o legal mesmo eram os feriados: se você bobeasse e não fosse com antecedência, não encontrava nem documentário do Pantanal para assistir.... Quase me esqueço: na época do VHS, era necessário rebobinar a fita antes de entregar, lembra? Caso contrário, pagava multa.

Para concluir essa batalha pré-modernidade, luta mesmo era esperar o filme passar na TV aberta. Se você não viu o filme no cinema e nem tinha vídeo cassete ou DVD player, a TV aberta era o recurso derradeiro para os menos afortunados. Mas se para quem pagava os prazos já eram grandes, a TV aberta com sua gratuidade era como se fosse um investimento a longo, longo prazo. Esperar as emissoras – Globo principalmente – anunciarem seus investimentos na grade de filmes era um evento dos mais aguardados no fim de cada ano. Lembro que os filmes chegavam com pelo menos dois anos de atraso, justamente por conta do mercado doméstico que mantinha a exclusividade dos lançamentos. Deste modo, se você assistia na TV aberta o inédito “Um Tira da Pesada”, era certo que o “Um Tira da Pesada 2” já estivesse nos cinemas...

A mudança de cenário se deu com a chegada da Internet, que simplesmente conseguiu “matar” esse mercado. A pirataria representou um baque nas locadoras, pois gradativamente transferiu o catálogo delas para as residências das pessoas, e melhor, de graça. A partir do momento em que todo mundo descobriu conteúdo gratuito – embora ilegal – disponível na rede, o mundo das locadoras ruiu. Paralelo a isso, a popularização das TV´s por assinatura e o  advento do streaming sacramentaram o fim delas. Óbvio dizer que os cinemas também sofreram com essa mudança, tendo que se readaptarem para não irem pelo mesmo caminho...

Apesar das dificuldades, o passado guarda um certo charme que hoje está disperso nas facilidades tecnológicas. Não se trata de saudosismo barato, mesmo porque este que vos escreve é um fã ardoroso dos recursos modernos. Entretanto, me sinto feliz por ter participado do processo como um todo, onde a evolução de cada etapa foi devidamente apreciada. Este pequeno relato sobre os desafios dos cinéfilos de antigamente é apenas parte um cenário maior, onde o prazer de pesquisar, buscar, experimentar, sentir e até aprender se perdeu no comodismo dos cliques que nos impendem de sair de casa, simplesmente porque não é mais preciso. O grupo carioca O Rappa tem uma música que diz: “Hoje eu desafio o mundo sem sair da minha casa”. Ela resume bem o mundo atual, embora eu não faça questão de desafiar ninguém: eu já era feliz correndo para entregar a fita na locadora antes dela fechar... 

quinta-feira, 9 de agosto de 2018

O Brasil e o Patriotismo Seletivo




Passada a Copa do Mundo, cujo resultado já é conhecido por todos, me permito alguns comentários, mas não sobre futebol somente: este não me seduz, mas sua ligação com o patriotismo dos brasileiros me proporcionou algumas reflexões. Não estar incluso no frenesi causado pela Copa possibilitou uma análise deste cenário inédito em que o Brasil se encontra, desencantado com a política, ainda mais num ano com uma eleição extremamente importante e decisiva para os rumos do país, mas que também, num primeiro momento, não estava nem aí para a seleção brasileira.   

Tenho a plena convicção pessoal de que o brasileiro não é patriota, pelo menos não no sentido pleno da palavra (“Pessoa que ama sua pátria, que se esforça para lhe ser útil, agindo em seu favor ou na sua defesa”). Para entender melhor essa afirmativa, tomemos por base um exemplo prático: os americanos, que do berço a idade adulta, são educados e preparados para se dedicar ao país independentemente do seu papel dentro da sociedade e em tempo integral ao longo de suas vidas. Não se trata apenas de declarar amor à pátria e carregar sua bandeira no peito, mas fazer de sua vida algo voltado ao coletivo, e não ao individual somente – basta observar a relação deles com o militarismo e a sensação de servir ao seu país. A noção de que a estrutura da sociedade, privada ou pública, deve ser bem utilizada em prol do coletivo é um conceito bem enraizado em cada um deles. Esse é um dos principais fatores que faz dos EUA uma das nações mais desenvolvidas do planeta, ainda que também tenha sérios e graves problemas.

Essa pequena analogia serve apenas para ilustrar que é fácil visualizar que a esmagadora maioria da população brasileira automaticamente fica excluída do conceito de patriotismo acima apresentado. Culturalmente, não observamos o coletivo, o que já representa um grande obstáculo ao conceito de sociedade eficiente. Mas, afinal de contas, que tipo de patriotismo o brasileiro tem? Na verdade, o brasileiro sofre de “patriotismo seletivo”, ou seja: ele é patriota apenas no momento em que lhe convém, e isso é tão prejudicial como se não o fosse de todo. Escolher os momentos em que o amor às cores da bandeira vai despontar mostra uma postura ineficiente do ponto de vista social, puramente individualista, onde o foco é o benefício próprio.



Com isso, é facílimo encaixar a Copa do Mundo nesse conceito. O amor ao Brasil, adormecido ao longo de quatro anos, surge como um furacão quando a competição chega, com ruas enfeitadas, caras pintadas, chapéus, buzinas, meios feriados (ou até feriados plenos), euforia extrema, debates acalorados e etc.. Isso sem mencionar o imenso comércio – informal e ilegal em sua maior parte – que se forma em torno do campeonato, onde não se desperdiça a oportunidade de se ganhar dinheiro com a vontade de quem quer torcer e fazer parte dessa imensa massa que surge nos jogos. A exceção de quem não acompanha o esporte ou partilha dessa visão crítica, todos querem se sentir inseridos nessa imensa e vibrante nação verde e amarela.

Curiosamente, esse ano, o cenário em si não aparentava ter as mesmas proporções de outras copas. O baque que os brasileiros têm tomado diariamente por conta dos descalabros políticos pareciam ter apagado essa chama, gerando um inédito desinteresse pela Copa, pela seleção e consequentemente no patriotismo de ocasião já característico. Mas aí diversos fatores – com o favorecimento individual predominando – reverteram a apatia e tudo aflorou, ainda que em proporções menores frente ao passado: não tivemos aquele cenário extremo de ruas pintadas e enfeitadas e nem carreatas e badernas após os jogos, mesmo com os avanços do escrete canarinho jogo após jogo. De resto, tivemos expedientes reduzidos, churrascos em família para assistir os jogos (nada contra, aliás), fantasias, adereços, emoções no limite em cada partida. Entretanto, o resto é história: o Brasil foi eliminado, o encanto acabou e tudo voltou a como era.



A política é um campo onde o patriotismo de ocasião tem se tornado recorrente, onde um gigante adormecido acorda vez por outra para reinvindicar seus direitos, mas que pouco tempo depois é acometido por sono profundo de novo. A falta de senso de sociedade nos leva a administrar o nosso dia a dia, e não o dia a dia da nação. Assim como a Copa, o brasileiro aparenta não estar nem aí para os cargos eletivos em jogo em Outubro. Com apenas os extremos radicais se degladiando sobre que tem mais razão, a grande massa populacional permanece alheia ao debate. A necessidade urgente de renovação da nossa política e consequentemente da nossa legislação não representa para o brasileiro uma vantagem imediata – sim, é assim que o brasileiro pensa – e daí a oportunidade de realmente começarmos a resolver os problemas do país fatalmente vai ser esvair e sumir, mais uma vez.

O patriotismo seletivo do brasileiro na política é muito preocupante e grave, pois isso é um assunto que demanda ação, vigilância e ativismo em tempo integral, ou seja, sem descanso, sem pausa. Nos momentos em que não há o levante do povo, os problemas surgem porque não há questionamento. Pior: é inviável que esse patriotismo só apareça na época da eleição, defendendo sempre candidatos (que são os meios) e não projetos de governo (que são os fins). Além disso, temos o agravante de que hoje tudo se resume a uma polaridade atroz, com mais luta do que debate.

A verdade é que, se o brasileiro quase desistiu do futebol, que é sua paixão nacional, imagine o que ele fará com a política, onde ele não enxerga nenhum motivo para comemorar e fazer festa. O problema é que o resultado dessa lógica pode ser desastroso, e aí não haverá camisa da seleção brasileira que dê jeito.     
  

quarta-feira, 11 de julho de 2018

Triste Verdade


E se os Meninos Ficassem Presos Numa Caverna no... Brasil!

Doze meninos e seu treinador ficam presos em uma caverna no Brasil. Comoção geral. O Congresso vota um repasse emergencial de R$14bi para o resgate.

Para executar isso, instituem a ANACAV (Agência Nacional de Cavernas). Governadores criam as Secretarias Estaduais de Cavernas (CAVERJ, CAVESP, CAVEMG, etc).

Com o repasse, iniciam uma contratação emergencial para cavar o túnel e derrubar a montanha. A oposição denuncia irregularidades e cria a CPI das Cavernas. A PF inicia a operação Neanderthal. O TRF manda prender a caverna, e Gilmar Mendes a solta.

Uma ex-BBB tira selfie nua na frente da caverna, viraliza na web, se torna a MC Cavernosa e lança o hit do Carnaval "Entra Mas Não Sai". No Encontro da Fátima Bernardes, denuncia a cavernofobia. McDonalds pede desculpas por ter lançado o McFlintstone.

O Sindicav entra em greve geral, pois o repasse não chega e estão sem receber. Junta-se a eles a CUT-CAV e o MSCAV (Movimento dos Sem Caverna). O Governo negocia e tira impostos de pás.

O presidente privatiza as cavernas. Jean Wyllys cospe em Bolsonaro por ele ter falado que caverna boa é caverna soterrada. Pastores vendem pedras ungidas da caverna por R$800,00/Kg.

Os 12 meninos e seu treinador estão sobrevivendo há 40 meses na caverna. Não querem mais sair: lá é mais tranquilo.

domingo, 25 de fevereiro de 2018

Memórias do Cárcere (ou, Carnaval no Rio de Janeiro)


Antes de qualquer coisa, afirmo que respeito quem curte Carnaval. Mas sequer botei o pé na rua. Apesar do que escreverei nas linhas a seguir, não sou radical contrário aos dias de folia, reservando-me até o direito de, onde quer que esteja, ver os desfiles, que sempre achei duma criatividade ímpar. Entretanto, sempre fiz questão de me afastar o máximo possível do barulho e da confusão gerada por estes dias, que este ano atingiu níveis alarmantes. Paralelo a isso, surpreendeu-me a capacidade que o povo brasileiro tem de se alienar do que quer que esteja acontecendo no país, não abrindo mão dos dias de folia. Infelizmente, esse desligamento da realidade também atingiu os mesmos níveis alarmantes.

Passados os dias de folia que se iniciaram em Janeiro e terminaram no fim de semana seguinte ao Carnaval, ficou um saldo trágico:
- A violência subiu assustadoramente, mesmo numa cidade onde já reinava absoluta por conta da falência do estado e da sua incapacidade de reerguer as forças de combate ao crime pela falta de dinheiro;
- Grande número de turistas na cidade bombardeados pelo caos instaurado;
- Crescimento desordenando de blocos, subdimensionados para as autoridades. Como um exemplo, houve um bloco com expectativa de 20.000 pessoas que recebeu 30 vezes mais (600.000)!
- Ausência total e completa de autoridades: Governador e Prefeito viajando num dos eventos mais importantes e complexos do estado. O primeiro ainda se manteve no Estado, com o segundo escapando para o exterior, novamente numa situação em que sua religião não o permite participar de uma “festa profana”;
- Na quinta feira seguinte à Quarta de Cinzas, um temporal devastou o estado, trazendo o caos para todos os lados: ruas alagadas, deslizamentos, falta de luz (dura até o momento em alguns bairros), vias interditadas. Agravante: o prefeito ainda estava fora e um grupo de tontos o representava, mas com a mesma ineficiência...
- Para completar, a cereja do bolo: uma intervenção federal na segurança pública do estado, anunciada na Sexta – ainda no clima do Carnaval – pelo presidente da república, em resposta ao clima de bárbarie que se instalou no Rio de Janeiro.

Nada disso, absolutamente nada disso foi suficiente para impedir multidões atrás de blocos de Carnaval, desde do raiar do dia, até o amanhecer seguinte, num círculo vicioso de alegria (?). Simplesmente não consigo entender como uma situação tão caótica quanto a nossa não impede as pessoas se espremerem entre milhares de outras para andar atrás de um caminhão enfeitado, tocando música bem alto, com gente pulando em cima e impreterivelmente sob um sol escaldante (essa é a definição técnica de trio elétrico, para quem não sabe). É até natural o pensamento: “Mas as pessoas têm direito a se divertir”, ou então “Esse é o momento de esquecer os problemas e ser feliz”. Concordo, mas abstração atrás de abstração, ano a ano, nos levaram a esse quadro de hoje.

O problema cultural que assola o brasileiro pesa enormemente. O brasileiro nunca se importou com nada a níveis políticos, nunca cobrou ações, nunca exigiu seus direitos, a exceções pautadas pela força do modismo do momento, gerando ações pontuais. Exemplos: os caras pintadas do impeachment do presidente Collor. Movimento de massa, mas sem nenhum embasamento de causa. O importante era todo mundo estar na onda do momento, que era estar na rua, de cara pintada, bradando fora Collor. Tanto que, depois de sua saída, nunca mais foram vistos...Essa apatia cumulativa do povo, intermediada por esses surtos esporádicos de cidadania, gerou um sistema corrupto e ineficiente que nunca teve grandes problemas para se manter. As coisas vêm mudando, é verdade, mas ainda há um longo caminho a se percorrer. 

Voltando ao tema central, o que houve neste Carnaval me deixou perplexo do ponto de vista comportamental das pessoas: o mesmo cidadão que reclama de falta de segurança se arriscava em blocos onde brigas pipocavam a todo estante; o mesmo cidadão que reclama do transporte público para trabalhar, não se incomodou em andar em trens, metrô e ônibus superlotados. Mais especificamente no caso do metrô, como mostrado na televisão, lotado e imundo; o mesmo cidadão que reclama da falta de ética dos seus políticos deu mostras explícitas de falta da mesma ética – cabe aqui um destaque ao icônico cidadão mostrado na televisão urinando numa lata de lixo dentro metrô (!). Resumindo, nenhum dos flagelos do dia a dia do brasileiro, por mais nocivos que sejam, tiveram impacto no período de carnaval. Tudo é “esquecível” em prol da alegria e diversão mandatórios desta época do ano. Mas o mais impactante para mim foi a questão da segurança. Como é possível ignorar que pessoas morrem simplesmente ao andarem na rua, a pé, de carro, no ônibus? Morrem estando dentro de suas casas? Ou na escola? Por balas perdidas, ou em assaltos covardes? Crianças, policiais, qualquer um? A verdade é que as estatísticas alarmantes não foram suficientes para impressionar, uma vez que a necessidade de aproveitar os dias de folia era infinitamente maior.

A ironia da vida é cruel, e ela coroou este cenário de apatia cívica com um temporal de proporções bíblicas, na madrugada seguinte a Quarta Feira de cinzas, que trouxe todos os alienados à realidade: alagamentos, enxurradas, falta de luz em diversos lugares (por dias até), perdas materiais enormes (móveis, mercadorias, carros, alimentos). Quando isso aconteceu, todos se lembraram que o político não fez sua parte, não os ajudou, não construiu a encosta, não construiu uma rede de esgotos, não apareceu depois para prestar suporte, estava viajando a passeio, que fez obras mal feitas e etc. Nesta hora, todos têm o orgulho cívico ferido por terem sido feitos de bobos. O problema é que de bobos eles não têm nada: sábado e domingo depois do Carnaval ainda tinha bloco, onde só a expectativa dos organizadores era de 657 mil espertos.

domingo, 15 de outubro de 2017

Marketing de Realidade











2017 e Mais um Rock in Rio...


Com o fim do Rock in Rio deste ano, fiz uma reflexão mais profunda e devo confessar que mudei algumas das minhas opiniões sobre o festival. Nas edições passadas, fui um crítico severo das escalações, até mesmo na grade de bandas de Metal, estilo que mais gosto. Entretanto, cheguei a uma conclusão central, e que embasa todo este meu texto: o Rock in Rio é um festival de música, no seu conceito mais amplo, quase que livre de estilos (eu disse quase, pois algumas aberrações como funk, pagode e sertanejo ainda estão de fora, pelo meno por enquanto) e não um festival de Rock ou de Metal exclusivamente. 

Todos esses anos de reclamação e autotortura por ver atrações mega/super/ultra pop foram desnecessários, pois basta enxergar que o Festival tem de agradar diversas tribos, tem de ter apelo comercial e tem de dar lucro (sim, lucro!). Na minha opinião, ficamos presos ao estigma da edição de 1985 onde, num momento em que éramos pobres de artistas estrangeiros, pudemos ver bandas que estavam no auge e que, em outra situação, nem tão cedo poriam o pé no Brasil. Ver AC/DC, Iron Maiden, Ozzy Osbourne, Whitesnake, Queen, Scorpions e Yes foi algo tão fantástico que ofuscou as escalações deveras deslocadas de Ney Matogrosso, Elba Ramalho,  Ivan Lins, Moraes Moreira, Erasmo Carlos e outros. Não que fossem artistas ruins – pelo contrário, todos com seu valor dentro da MPB – mas destoavam muito do cast headliner do festival. De ruim, ruim mesmo, só Nina Hagen, que ninguém conhecia antes e todo mundo se esqueceu logo depois. Acho que, involuntariamente, ao conseguir um cast internacional tão maravilhoso logo na primeira edição, deixou o Rock in Rio com a marca de festival de Rock/Metal, o que ele não é.

Voltando a edição desse ano, gostaria de falar primeiro do público brasileiro, que é bastante peculiar. Ficou totalmente evidente que se tem uma coisa que o Brasileiro gosta no Rock in Rio, não é de música em primeiro lugar, mas sim de reclamar. Além das óbvias reclamações do cast do festival, era facílimo encontrar na internet reclamações sobre a transmissão do festival feita pelo canal de TV fechada Multishow, onde, entre várias coisas, o principal era a qualidade do som. Baixo, alto, sem grave, com grave, muito agudo, a voz baixa, má equalização eram alguns dos motivos que os experts em sonorização encontravam para criticar a transmissão feita. Agora paremos para pensar: 1) Era possível assistir quase todo o festival sentado no sofá de casa, pois a transmissão foi na íntegra, perdendo apenas no momento de shows em paralelo no palco Sunset e no palco Mundo, onde o segundo sempre tinha preferência. 2) Se a pessoa não foi, apenas duas razões: ou não quis, ou estava sem dinheiro. Para ambas, a transmissão era a chance de ver (quase) tudo, “teoricamente” de graça. Se a transmissão fosse em mono, com a tela em preto e branco, já valeria a pena, pois só assim veria tudo ao vivo. Mas a transmissão foi excelente, com o melhor áudio que vi até me todas as transmissões de RIR já feitas pelo canal. Agora, se a voz Axl Rose sumia, tenha certeza que a culpa não era da transmissão... mas falo disso mais a frente.

Outro detalhe foi a escalação do palco Sunset deste ano, que foi simplesmente uma das piores que já vi. As combinações efetuadas entre artistas diferentes, característica central deste palco, foram as mais esquisitas de todas as edições. Tudo bem que nomes novos se misturaram a antigos, mas é notória a falta de bons nomes para este conceito de mistura de estilos. E uma triste realidade se confirma: o cenário nacional está muito, mas muito pobre musicalmente... E isto não é fruto de uma mente nostálgica que só pensa no Rock Nacional dos anos 80, mas de uma constatação que se mostra real e concreta. Os últimos grandes nomes que se seguiram a Legião Urbana, Ultraje a Rigor, Barão Vermelho e muitos outros mais, surgiram na década de 90 e já não têm a mesma relevância de antes. O Skank é um exemplo disso: tocou no placo mundo, fez um desfile de hits, mas encontra-se sumido em meio a essa cena pobre de Anitas da vida. O mesmo se aplica ao Jota Quest que apesar de toda a bagagem e carisma, não consegue mais um lugar ao Sol.

Outro detalhe curioso, mas que não é novidade nenhuma, também afligiu esta edição: o famigerado jabá. Para quem eventualmente não saiba, jabá é o resultado da ação “conhecer alguém que pode te ajudar”. Com isso, artistas de merecimento duvidoso se apresentaram no festival. No passado, temos dois exemplos, que foram o Glória e o Kiara Rocks (edições de 2011 e 2013, respectivamente), ambos verdadeiras bombas que tocaram graças ao empresariamento (Monica Cavarela), que tendo conceito junto aos Medina, conseguiu encaixa-los. Neste ano, tivemos o Dr. Pheabs, ruim até a alma, cujo vocalista também estraga outra banda, o Armored Dawn. Como eles entraram? Alguns integrantes são médicos e formam uma cooperativa que é uma das patrocinadoras do festival... Mas recomendo tentar assim mesmo ver ao show, pois rende boas gargalhadas. Destaque para o inglês “macarrônico” do vocalista Eduardo Parras.

O público novamente se faz presente no seguinte ponto: qual o limite para se aguentar repetições neste festival, mais especificamente o Guns n Roses, e mais ainda sendo trolado a cada apresentação? Se apresentando pela 3ª vez no RIR, o Guns – mais especificamente Sr. AXl Rose – fez a todos esperaram sua boa vontade em entrar no palco depois de atrasos monumentais nas duas primeiras vezes. Agora, a trolagem foi outra: apresentou um mega show com quase 4 horas de duração e... sem voz! Os anos se passaram, a idade aumenta, os kilos extras aparecem e a voz sofre com isso, mas o que foi apresentado foi simplesmente beirou o absurdo. O cara dava dez passos e já ficava ofegante, e isso transformou as musicas num tremendo martírio. Não vou nem mencionar os clássicos, que foram totalmente destruídos (“You Could Be Mine” ficou hilária), mas até mesmos as músicas novas sofreram na sua interpretação, como por exemplo, “Better” (do álbum “Chinese Democracy”). E o público tomou, goela abaixo, de uma só vez, repetição e engodo.

Outra questão sensacional de se comentar, é o fato de que determinado artistas têm carreiras brilhantes, mas padecem do mal que é o karma de qualquer artista: o palco. Combinar a reprodução das músicas dos álbuns com um atrativo visual é tarefa difícil, e é aí que o bicho pega. O Pet Shop Boys (que eu adoro) apresentou um show esquisito, cuja sensação era quase que a mesma de ouvir o disco olhando para o encarte, ou seja, tudo muito parado. Sendo uma dupla eletro-sint-pop (hein?) preencher o palco mundo do Rock in Rio foi para eles uma tarefa ingrata. Curiosamente, o que faltou aos PSB, sobrou para Fergie, com um palco visualmente bem utilizado com dançarinos, fumaça, telões e etc. E vice versa, pois aos PSB sobrou música (apesar de um playback aqui e acolá), enquanto Fergie sofreu com um som magrinho, bem longe do groove tanto de suas músicas próprias, quanto das canções de sua ex-banda, o Black Eyed Peas.

Mas houve boas surpresas, embora algumas nem fossem tão surpresas assim, pois se tratavam de repetecos: Alicia Keys e Justin Tiberlake foram perfeitos, com shows que deram gosto de ser ver e ouvir. Bon Jovi também fez um bom show, apesar de quase estar dando o braço a Axl Rose no quesito “minha voz já não é mais a mesma”. Salvou-se pelos backings vocals da banda, que encobriam a sua voz magrinha nos refrões mais explosivos. Destaque mesmo foi o Alter Bridge, que simplesmente destruiu o palco mundo com uma apresentação que eu, de início, não dei muito valor. Bastaram as primeira notas de “Come to Life” para a banda mostrar que não estava ali para brincadeiras. O vocalista e guitarrista Miles Kennedy provou para todos, com seu vozeirão, que não era a transmissão do muito show que estava com problemas. Perfeito, nota dez.

Estruturalmente, o evento esse ano teve a maior área até então, e teve muita opção para quem estava lá, além da música. Entretanto, horas na fila para andar num brinquedo, comida caríssima e banheiros em petição de miséria (relatos de amigos que estiveram lá) mostraram que ainda não conseguimos atingir uma estrutura ideal para eventos deste porte. Do lado de fora, taxistas “assaltando” as pessoas, onde só pegavam corridas longas e deixavam a pé quem queria ir para o entorno do festival (depois reclamam do Uber, e este foi previamente proibido pela Prefeitura), Metrô e BRT´s lotados, ou seja, Brasil. Nos resta esperar pela edição de 2019, isso se o Rio de Janeiro ainda estiver de pé até lá...


domingo, 21 de maio de 2017

Crise Após Crise... Brasil



Os acontecimentos recentes no Brasil, em termos gerais, têm sido impressionantemente caóticos. Parece que tudo, mas tudo mesmo está fora do lugar e da ordem: saúde, segurança, educação, política, investimento, empregos, transportes, tudo está em descompasso. Obviamente que a origem deste desarranjo todo vem das políticas públicas praticadas (ou não) pelos nossos governantes. A habitual inércia do governo desde a República, somada a eterna corrupção, mais 12 anos de governo do PT, que além de corrupto, quebrou o país com políticas populistas e irresponsáveis, o desbaratino e perda de foco dos políticos com as revelações da Lava Jato são apenas alguns pontos desse caos. Além disso, temos hoje um país polarizado, com defesas radicais de pontos de vista, regados com uma ignorância significativa de grande parte da população, que ainda não sabe dos seus direitos e não sabe exatamente pelo que está lutando, o que dificulta em muito uma reação ao quadro que aí está.

Um novo capítulo se instala com a delação dos executivos da JBS e a gravação do Presidente Michel Temer avalisando a compra de silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha frente a possibilidade de uma delação premiada. Feita com acompanhamento da Polícia Federal e não simplesmente por um corrupto qualquer que quis se resguardar, a gravação torna-se uma irrefurtável prova de obstrução da justiça. Posto isso, chamo a atenção para a citação do seriado “House of Cards”, feita no Twitter pouco depois da divulgação das denúncias: “Tá difícil competir”. Escrito no mais claro Português, o seriado, que trata de política e corrupção, comprova que os fatos recentes por aqui superam até a ficção. Se paramos para pensar, provavelmente teremos em breve o recorde de 2 presidentes impedidos em menos de 1 ano e meio. Independentemente disso, tem sido alarmante o número de políticos envolvidos em esquemas de corrupção, bem como as cifras milionárias envolvidas, sem mencionar a engenhosidade de alguns esquemas, com estruturas complexas de funcionamento e discrição, mesmo em meio as investigações em andamento.


Enquanto a polarização do país fatalmente se reacenderá, pois os quase extintos petistas fatalmente bradarão “Volta Dilma!” ou então “Eu já sabia”, ao passo que o outro lado bradará “Diretas Já”, teremos um país à deriva. Quando mencionei a ignorância do povo sobre seus direitos, o mesmo se aplica a análise de cenário: bradar “Fora Temer” sem saber o que aconteceria se ele realmente desse o fora, é algo que com certeza acontece. Agora que isso é iminente, poucos sabem quem assume no seu lugar, por quanto tempo, e tampouco como essa escolha se daria. Fatalmente se decepcionarão ao saber a resposta, pois Rodrigo Maia, ainda que por no máximo 3 meses, será essa figura. Mais ainda quando souberem que é o Congresso Nacional escolherá o substituto de Temer, por eleição indireta. Para que não sabe, diretas, neste momento, não é algo Constitucional.

Numa visão macro, Temer nunca foi uma tábua de salvação para o país após o naufrágio do governo Dilma. Enquanto Dilma não era sequer política, Temer é profissional, tanto que a sua capacidade de aglutinar uma base sólida no Congresso foi quase que instantânea. Infelizmente, depois do sucateamento do PT, era necessário alguém que seguisse as regras do jogo e fizesse o país andar, saindo de uma imobilidade que nos seria fatal em pouco tempo. A economia em frangalhos, juros altíssimos, redução dos investimentos, descrédito internacional, enfim, eram fatores que precisavam de (re)ação imediata. Lembro que na época corria um meme na Internet sobre “como era bom ter um presidente que sabia falar o Português correto”, numa alusão ao fato de que Lula era ignorante e Dilma tinha extrema dificuldade em articular suas idéias (tanto que alguns discursos dela são épicos até hoje de tão engraçados). Mais do que isso, expressava a necessidade de alguém que fizesse o que deveria ser feito, visando que o país voltasse a andar. Mesmo sendo alguém tão pouco confiável.

A verdade é que uma mudança antes das eleições de 2018 é muito, mas muito ruim para o país, independente de quem assumiu no lugar da Dilma. Temos uma necessidade extrema de retomada de crescimento, interno e externo, e uma nova troca de presidente joga isso por água abaixo. Era necessário, quem quer fosse no lugar da Dilma, que tocasse a situação até que uma nova eleição nomeasse um novo presidente. Traduzindo em miúdos, que minimizasse os estragos da gestão petista, retomasse a ordem e mantivesse uma “normalidade” até o momento da sucessão. Claro que Temer não estava tendo 100% de acerto, longe disso até, uma vez que os estados quebrados e em situação de calimidade (RJ, para citar um exemplo) impediam essa retomada, mesmo porque a União, também em sérios apuros, não tinha como socorrer ninguém. Mas o simples fato da interrupção dos descalabros petistas e retomada de decisões coerentes era o suficiente a saída do atoleiro e o respiro até as eleições do ano que vem.

Resta saber o que está por vir. Ao parece, não vai sobrar ninguém com o avanço da Lava Jato, que têm mostrado o que todos nós, no fundo, já sabíamos: corrupto ou não, nenhum político em Brasília se preocupa com o povo ou com o país, mas somente consigo mesmo. Some-se a isso ao fato do modelo de governo país, calcado num presidencialismo de coalização, estar completamente esgotado. Nele, mesmo quem quer fazer algo tem de se aliar a quem não quer, e inicia-se o eterno “toma lá da cá” da política. Se não houver renovação deles, do modelo e nossa, voltaremos ao mesmo de sempre. Só que ele já estará muito pior.     

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Existe Cura para a Falta de Educação?


Outro dia estava eu no ônibus, pela manhã, a caminho do trabalho. Saindo do ponto final, todos os lugares estavam ocupados, inclusive os preferenciais (que naquele dia não estavam todos ocupados por passageiros preferenciais). Entretanto, nada impede que estes sejam usados, desde que sejam gentilmente cedidos depois a quem precisa, certo? Nem tanto... A certa altura, pouco depois da saída do ponto final, uma mulher com criança de colo adentra ao veículo. Da subida no ônibus até a passagem dela na roleta, ninguém se coçou para levantar. Pelo contrário, todos pareciam sofrer de algum tipo de cegueira instantânea, onde ninguém via a situação que se desenhava, onde o final certamente se daria com alguém levantando e cedendo o lugar. Depois de alguns constrangedores minutos em que ninguém sequer levantava a cabeça – e o lugares preferenciais continuavam lá, todos ocupados - uma menina na minha frente se levantou e cedeu seu lugar. Minha indignação, que já era grande com a falta de respeito pelas regras sociais, ficou ainda maior quando a referida menina que foi a única a tomar a atitude correta, o fez mesmo estando cheia de bolsas. Com isso, cedi meu lugar a ela e fui em pé a viagem quase toda. Antes que alguém pergunte porque não dei eu mesmo o lugar à mulher com a criança, respondo: antes de bancar o “bom moço”, prefiro acreditar que todos devemos fazer nossa parte, todos devemos ser coerentes, inclusive os “cegos” que estavam sentados nos lugares preferenciais, destinado às pessoas como a mãe e seu filho de colo. Ao meu ver, se antecipar a estas pessoas é encorajar o comportamento errôneo e cínico delas. Além disso, tenho para mim a premissa que mesmo com o transporte cheio e apenas estes lugares vagos, não os utilizo, simplesmente porque alguém que precisará deles mais do que eu, certamente vai utilizá-los.

De um modo geral, ando pasmo com a falta de educação das pessoas. Pior, que tem se mostrado presente em todos os lugares e em todas as situações possíveis. Nas ruas, nos edifícios, nos coletivos, nos elevadores, nas filas, na hora pedir, na hora de informar, na hora de comer, enfim... Trânsito então – que renderia um texto a parte - nem se fala... Palavras ou expressões como “obrigado”, “por favor”, “com licença”, “bom dia”, “boa tarde/noite” cada vez caem mais em desuso... Chega a ser impressionante como está enraizado na cabeça do povo como algumas atitudes absurdas são consideradas normais pela grande maioria. Mas o porquê as coisas chegaram a esse ponto? Acho que uma lembrança minha dos tempos de faculdade pode ajudar na resposta.

Certa vez, durante uma aula de Marketing, onde o tópico era publicidade e propaganda, fiz o seguinte questionamento: “Por que razão a Coca Cola precisa fazer propaganda? Afinal, todo mundo gosta e sempre toma esse refrigerante!”. A resposta foi interessante: “Apesar da concorrência com outros produtos – sucos por exemplo – é a própria necessidade de manter-se em evidência no mercado o fator primordial para essa necessidade. Melhor dizendo, é a própria dinâmica da vida: pessoas nascem, vivem e morrem. Novas gerações chegam e precisam ser informadas sobre a existência do produto, uma vez que pais e mães cada vez mais focam em alimentos saudáveis para os filhos e podem retirá-lo do cardápio da família. Os novos consumidores demandam mais serem “bombardeados” com mídia justamente por terem sido criados onde o refrigerante não era de consumo rotineiro, foi reduzido gradativamente ou até mesmo não consumido.

Trazendo este case para o tópico educação, a analogia é simples: ao que parece, a educação é o refrigerante que está sendo retirado do consumo das novas gerações. E quando se fala em educação, a família é a base da formação de caráter de qualquer indivíduo. Mesmo que não houvessem provas e mais provas dessa afirmação, científicas até, basta olhar para quem tem filhos pequenos. As crianças, quando da fase de formação, são espelhos dos pais em quase todas as suas atitudes. Numa necessidade de se sentir incluída e aceita, a criança procura imitar o que pai e mãe fazem. Com base nisso, pais e mães são agentes fomentadores dos conceitos educacionais que serão tão importantes na fase adulta. Daí a constatação óbvia: aqueles sentados no banco preferencial e sem o bom senso de cedê-los a quem precisava deles, com certeza não tiveram estes conceitos imputados ao longo de sua criação e formação como indivíduos, ou se o tiveram, foi de maneira incompleta ou deturpada.
É claro que nosso país atravessa uma crise sem precedentes nos dias de hoje, mas não é de agora que o conceito de família vem sofrendo fortes abalos. O próprio desequilíbrio de nossa sociedade, com grande desigualdade social, desemprego, falta de escolas, hospitais, moradias contribui de forma significativa para o esfacelamento da família. A impossibilidade de chefe de família de sustentar e manter sua família pode facilmente separar a todos e quebrar este processo de formação do indivíduo. Crianças longe da escola, trabalhando desde muito cedo ou migrando para a marginalidade fatalmente não terão acesso à devida formação de caráter proporcionada pelo convívio familiar tradicional. Mas não é somente nas classes mais desfavorecidas que isso ocorre. Mesmo com acesso a instrução e inclusão social, a própria dinâmica da família tem se “deformado” por diversas razões. Menciono aquela que talvez seja a mais moderna das razões: a Internet, com seu potencial de isolamento – hoje não é raro ver famílias inteiras com a cara no celular nos momentos de convívio – ou também no seu poder informativo, onde pais e mães precisam fazer uma triagem do que pode ou não ser visto pelos seus filhos. Muitas das vezes, a perda desse controle cria situações difíceis de administrar.

Outro ponto essencial de se mencionar talvez seja o senso de impunidade que nosso país tem. É notório que leis e poderes não são eficazes na manutenção dos critérios que baseiam uma sociedade justa para todos. É como se ninguém tivesse o compromisso de fazer o sistema funcionar, respeitasse seus limites e critérios de punição. Por que respeitar algo que não funciona? Por conta disso, o descaso com as regras de convivência social extrapola o âmbito legal, uma vez que se cumprir a lei não é necessário, por que respeitar uma simples placa que diz que se deve ceder meu lugar?

É óbvio que meus argumentos aqui são superficiais frente a um assunto extremamente complexo, com fatores adicionais não mencionados, como religião e preconceito, para citar dois exemplos apenas. O importante era deixar claro que cada vez mais nos importamos mais com o “eu” em detrimento do “nós”. As pessoas não atentam para os reflexos de suas ações, a menos que haja algum impacto para si próprio. Se não, seguem em frente, esquecendo do próximo e tornando a nossa convivência coletiva insuportável, exatamente como ela é hoje.