O Brasil e o Patriotismo Seletivo




Passada a Copa do Mundo, cujo resultado já é conhecido por todos, me permito alguns comentários, mas não sobre futebol somente: este não me seduz, mas sua ligação com o patriotismo dos brasileiros me proporcionou algumas reflexões. Não estar incluso no frenesi causado pela Copa possibilitou uma análise deste cenário inédito em que o Brasil se encontra, desencantado com a política, ainda mais num ano com uma eleição extremamente importante e decisiva para os rumos do país, mas que também, num primeiro momento, não estava nem aí para a seleção brasileira.   

Tenho a plena convicção pessoal de que o brasileiro não é patriota, pelo menos não no sentido pleno da palavra (“Pessoa que ama sua pátria, que se esforça para lhe ser útil, agindo em seu favor ou na sua defesa”). Para entender melhor essa afirmativa, tomemos por base um exemplo prático: os americanos, que do berço a idade adulta, são educados e preparados para se dedicar ao país independentemente do seu papel dentro da sociedade e em tempo integral ao longo de suas vidas. Não se trata apenas de declarar amor à pátria e carregar sua bandeira no peito, mas fazer de sua vida algo voltado ao coletivo, e não ao individual somente – basta observar a relação deles com o militarismo e a sensação de servir ao seu país. A noção de que a estrutura da sociedade, privada ou pública, deve ser bem utilizada em prol do coletivo é um conceito bem enraizado em cada um deles. Esse é um dos principais fatores que faz dos EUA uma das nações mais desenvolvidas do planeta, ainda que também tenha sérios e graves problemas.

Essa pequena analogia serve apenas para ilustrar que é fácil visualizar que a esmagadora maioria da população brasileira automaticamente fica excluída do conceito de patriotismo acima apresentado. Culturalmente, não observamos o coletivo, o que já representa um grande obstáculo ao conceito de sociedade eficiente. Mas, afinal de contas, que tipo de patriotismo o brasileiro tem? Na verdade, o brasileiro sofre de “patriotismo seletivo”, ou seja: ele é patriota apenas no momento em que lhe convém, e isso é tão prejudicial como se não o fosse de todo. Escolher os momentos em que o amor às cores da bandeira vai despontar mostra uma postura ineficiente do ponto de vista social, puramente individualista, onde o foco é o benefício próprio.



Com isso, é facílimo encaixar a Copa do Mundo nesse conceito. O amor ao Brasil, adormecido ao longo de quatro anos, surge como um furacão quando a competição chega, com ruas enfeitadas, caras pintadas, chapéus, buzinas, meios feriados (ou até feriados plenos), euforia extrema, debates acalorados e etc.. Isso sem mencionar o imenso comércio – informal e ilegal em sua maior parte – que se forma em torno do campeonato, onde não se desperdiça a oportunidade de se ganhar dinheiro com a vontade de quem quer torcer e fazer parte dessa imensa massa que surge nos jogos. A exceção de quem não acompanha o esporte ou partilha dessa visão crítica, todos querem se sentir inseridos nessa imensa e vibrante nação verde e amarela.

Curiosamente, esse ano, o cenário em si não aparentava ter as mesmas proporções de outras copas. O baque que os brasileiros têm tomado diariamente por conta dos descalabros políticos pareciam ter apagado essa chama, gerando um inédito desinteresse pela Copa, pela seleção e consequentemente no patriotismo de ocasião já característico. Mas aí diversos fatores – com o favorecimento individual predominando – reverteram a apatia e tudo aflorou, ainda que em proporções menores frente ao passado: não tivemos aquele cenário extremo de ruas pintadas e enfeitadas e nem carreatas e badernas após os jogos, mesmo com os avanços do escrete canarinho jogo após jogo. De resto, tivemos expedientes reduzidos, churrascos em família para assistir os jogos (nada contra, aliás), fantasias, adereços, emoções no limite em cada partida. Entretanto, o resto é história: o Brasil foi eliminado, o encanto acabou e tudo voltou a como era.



A política é um campo onde o patriotismo de ocasião tem se tornado recorrente, onde um gigante adormecido acorda vez por outra para reinvindicar seus direitos, mas que pouco tempo depois é acometido por sono profundo de novo. A falta de senso de sociedade nos leva a administrar o nosso dia a dia, e não o dia a dia da nação. Assim como a Copa, o brasileiro aparenta não estar nem aí para os cargos eletivos em jogo em Outubro. Com apenas os extremos radicais se degladiando sobre que tem mais razão, a grande massa populacional permanece alheia ao debate. A necessidade urgente de renovação da nossa política e consequentemente da nossa legislação não representa para o brasileiro uma vantagem imediata – sim, é assim que o brasileiro pensa – e daí a oportunidade de realmente começarmos a resolver os problemas do país fatalmente vai ser esvair e sumir, mais uma vez.

O patriotismo seletivo do brasileiro na política é muito preocupante e grave, pois isso é um assunto que demanda ação, vigilância e ativismo em tempo integral, ou seja, sem descanso, sem pausa. Nos momentos em que não há o levante do povo, os problemas surgem porque não há questionamento. Pior: é inviável que esse patriotismo só apareça na época da eleição, defendendo sempre candidatos (que são os meios) e não projetos de governo (que são os fins). Além disso, temos o agravante de que hoje tudo se resume a uma polaridade atroz, com mais luta do que debate.

A verdade é que, se o brasileiro quase desistiu do futebol, que é sua paixão nacional, imagine o que ele fará com a política, onde ele não enxerga nenhum motivo para comemorar e fazer festa. O problema é que o resultado dessa lógica pode ser desastroso, e aí não haverá camisa da seleção brasileira que dê jeito.     
  

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