sábado, 18 de junho de 2016

Ele, O Celular



Que a comunicação move a humanidade, todos nós sabemos. O poder da palavra é imenso, pois é a partir dela que as ações do homem se integram e dão vida a sociedade. A transmissão de conhecimento por meio da comunicação, nas suas mais diversas formas, foi identificada como fator preponderante para o avanço do ser humano, e desde então há investimento maciço nos meios de agilização e amplificação da mesma. Os recursos - naturais ou não - que o homem usa para se relacionar com seus semelhantes são alvo de constante evolução, visando sempre mais e mais rapidez, independente do tamanho da mensagem a ser veiculada.

Tal visão, além de óbvia, é até simplória para descrever o grau de integração da humanidade hoje. Com o mundo unificado pela Internet, são inúmeros os meios disponíveis para a comunicação, encurtando enormemente distâncias e reduzindo o fator tempo. Entretanto, não é raro ver que certos avanços tecnológicos trazem consigo efeitos colaterais, muitas das vezes difíceis de serem combatidos. O marco zero desse “boom” parte da já citada Internet, tendo efetivamente um acesso mais popular e global com os meios portáteis, como smartphones e tablets. Tonar “deslocáveis” os recursos antes amarrados aos PC´s e proporcionalmente ao Notebooks era o “pulo do gato” que faltava. Curiosamente, estes últimos eram idolatrados, quando do seu lançamento, como a solução à imobilidade dos PC´s, mas bastou telefones assumirem suas funções para estes também passassem a ser classificados como inconvenientes neste quesito e a “pesar” na mão das pessoas.

Depois dessa reflexão, fica fácil de entender que o personagem central dessa história é o celular, que apesar caráter facilitador, complicou muito em outras coisas. O comportamento das pessoas, com a chegada deste “brinquedinho”, simplesmente foi virado de cabeça para baixo. E não é exagero, bastando um rápido olhar a sua volta: é engraçado como nosso povo sempre foi aberto à modas, quaisquer que fossem, ainda que o celular não possa ser encarado como moda. Trata-se de uma revolução tecnológica importantíssima, mas que não tardou a tomar ares de moda por conta de questões como inclusão social e como medida de status. Isso sem mencionar seu poder de convergência, ao agregar funções: basta lembrar que ele conseguiu  derrubar um equipamento que há pouco conseguiu se reinventar e se popularizar, a boa e velha máquina fotográfica. Tão logo o filme deu lugar ao digital, estas caíram no gosto do povão, mas o celular acabou com a festa, fazendo tão bem o que elas faziam e com muito mais possibilidades, como programas de edição de fotos, por exemplo. Outro equipamento, mais novo que as máquinas digitais, mas que também sucumbiu perante nosso amigo celular foram os players de MP3 (que explodiram no mundo graças a Apple, via IPOD). Hoje, também têm suas funções incorporadas a gama de talentos de qualquer smartphone.

Ainda que de maneira resumida, está aí a explicação desse sucesso. O problema é o aspecto psicológico da questão, centrada no fato de que o dia a dia das pessoas agora gira em torno do celular. Esquecer o celular em casa, por exemplo, é algo que afeta de maneira significativa a rotina das pessoas. Fazer ligações telefônicas de maneira móvel é a premissa básica desses aparelhos, mas a verdade é que a grande gama de recursos, somada ao poder de conectividade, nos torna escravos deles: redes sociais, agenda, fotos, documentos, jogos, música, vídeos, TV, tudo está lá e nos serve em algum momento do dia. Os mais jovens então, hoje inseridos num contexto social muito mais virtual do que pessoal, são os mais afetados, tamanha a dependência que vemos hoje. Eles, na sua esmagadora maioria, não querem possuir um telefone: querem algo que lhes dê status e inclusão em seu círculo social, algo que em outras gerações era obtido por meio do vestuário, por exemplo.

Entretanto, de um modo geral, esta inclusão social proporcionada gera um efeito colateral: a dispersão (social). As pessoas usam todo o seu tempo livre, independente do lugar (atenção a isto), enfiadas nos seus mundos particulares, cujo portal de entrada é o celular. O comportamento das pessoas foi afetado de tal maneira que para onde se olhe tem alguém absorto na tela de um deles. Com isso, a comunicação presencial cada vez mais cede espaço para a comunicação virtual, o que no fim de tudo, afasta as pessoas. Além disso, outros desvios comportamentais negativos surgem: pessoas em pé em ônibus pondo em risco sua segurança em ocupar uma das mãos para usar o celular; falta de educação ao tentar usá-los em ambientes lotados, como o Metrô na hora do rush; toques altos e inconvenientes, passando por jogos e músicas sem uso do fone de ouvido, isso mencionar a indelicadeza de manter o aparelho ligado a até mesmo  atende-lo em reuniões, salas de aula, teatros, cinemas, em desrespeito aos demais e etc. Outro efeito nefasto é a dependência de checar a todo o momento redes sociais e congêneres, chegando a um ponto de vício em alguns casos, por incrível que pareça. Resumindo, o celular “come” o seu tempo, num apetite que parece não ter fim.

Por último, acho importante mencionar o aspecto evolutivo e econômico. Os avanços tecnológicos hoje têm ritmo acelerado, e eletro/eletrônicos estão bem no centro desse processo. O lançamento de hoje é o obsoleto de amanhã, mas mesmo assim as pessoas tentam acompanhar este ritmo. Independente dos valores altos frente aos aparelhos e seus recursos, as pessoas não medem esforços para adquirí-los, mesmo que não haja a necessidade de compra, apenas de satisfação pessoal e do senso de modernidade que a sociedade prega. Em Marketing, é o chamado duelo entre a “necessidade” e o “desejo”: pode não haver a necessidade em si, mas a mídia bombardeia e imputa que você precisa (necessita) daquilo, criando-lhe um desejo de compra praticamente irresistível. Completando o processo, o reconhecimento de status social que aquilo lhe dá reforça a decisão de compra, mesmo sem necessidade. No fim das contas, o modelo de ontem ainda funciona, só ficou velho cedo.


Talvez seja muito importante ressaltar que a tecnologia não é algo ruim: o problema é como as pessoas se comportam diante dela. Temos de ter em mente que a tecnologia serve para reduzir nosso esforço: a partir do momento em que gera um esforço adicional para acompanha-la, alguma coisa deu errado.